Por Augustus Veritas
“Entram para a política com uma mão à frente e outra atrás e ao fim de uns anos são milionários.”
A frase, lançada ao vento com a precisão de um bisturi, saiu da boca da magistrada Maria José Morgado — e serve como epitáfio antecipado da dignidade política em Portugal.
Luís Montenegro, o atual primeiro-ministro e líder do PSD, é um exemplo quase pedagógico dessa metamorfose patrimonial tão comum quanto mal explicada. Começou na vida pública como tantos outros: estudante aplicado, com bolsos vazios e promessas cheias. Não tinha imóveis, ações, nem sequer uma bicicleta com amortecedores. Apenas a fé cega de que, na política portuguesa, quem sabe nadar entre escândalos nunca se afoga.
Hoje, Montenegro é um verdadeiro artista do portefólio.
Possui uma considerável coleção de imóveis, um histórico vibrante no mercado de capitais (incluindo quase dois milhões de ações do BCP, imagine-se!), e uma presença ativa em sociedades familiares — entre elas, a célebre Spinumviva, cujo nome soa a laboratório secreto da Marvel, mas cuja atuação teve consequências bem terrenas: ajudou a derrubar um governo.
Naturalmente, quando confrontado com esta súbita prosperidade, Montenegro não se apresentou como suspeito, mas sim como… vítima. O investimento em ações do BCP, por exemplo, foi descrito por ele como “muito sofrido”.
Sofrido? Ai, se os reformados a viver com 400 euros soubessem o que custa manter dois milhões de ações em tempos de crise! Que sofrimento o deles, por não terem capital inicial para sofrer como o senhor primeiro-ministro.
Aliás, a narrativa do sofrimento milionário é uma das mais belas fábulas da democracia portuguesa. Uns choram porque lhes cortaram o RSI; outros, porque as ações caíram antes de renderem 200 mil euros em mais-valias. Pobres ricos. Heróis do capitalismo à portuguesa, onde perder também é ganhar.
A Spinumviva, essa entidade etérea de contornos nebulosos, foi criada com a família. Porque a política moderna não se faz com ideais — faz-se com clãs. A política é o novo solar dos fidalgos.
A diferença é que, em vez de brasões, agora usam declarações ao Tribunal Constitucional. E em vez de espadas, usam recibos verdes, adjudicações diretas e contratos de avença.
E assim se escreve mais um capítulo da epopeia nacional: o jovem político sem nada, que chega ao topo com muito, e de forma tão transparente quanto o vidro fumado de um carro de luxo.
O povo português — esse ser paciente e resiliente, entre o Fado e o FMI — assiste a tudo com a resignação de quem já viu este filme mil vezes.
Não há espanto, não há revolta. Há memes no Facebook e conversas de café. Há uma ironia social que se confunde com impotência.
Enquanto isso, a roda gira, os rendimentos crescem, e as promessas murcham como slogans velhos.
Montenegro é só mais um nome num catálogo de ascensões meteóricas. Mas o problema não está no nome — está no sistema que transforma servidores públicos em investidores de sucesso.
É a versão portuguesa do milagre económico: entra-se com uma mão à frente, e sai-se com um império atrás.
E se alguém ousa perguntar "como é que isto foi possível?", a resposta é sempre a mesma:
“Foi tudo legal.”
Este, como muito outros na política, foi mesmo um "milagre económico à moda lusitana": sem sacrifícios nem suor visível, os pães transformam-se em imóveis, ações e quotas empresariais… com direito a aplausos do povo acorrentado!